Há um ditado que diz mais ou menos assim: “Quer conhecer alguém de verdade? Dê-lhe dinheiro e poder”. Essa é uma das formas de descobrir quem uma pessoa é de verdade, sua índole, seu coração; mas também nas adversidades as pessoas se revelam. Estamos vivendo dias de pesadelo, não só no Rio Grande do Sul mas no Brasil. Nesses dias de tragédias e perdas, aparecem pessoas heroicas, acolhedoras e empáticas, e pessoas egoístas, insensíveis e aproveitadoras.

Não estou aqui para julgar, isso é tarefa – na minha crença cristã – de Deus. Mas para opinar, falar sobre o que estou vendo.

Vi centenas de pessoas voluntárias, mesmo que perderam tudo ou quase tudo nas enchentes, ajudando a salvar pessoas e animais (a vida animal importa). Colocando suas vidas sob risco, em botes lotados, em águas enlameadas passíveis de transmitir várias doenças como leptospirose e hepatites. Doando o que há de mais precioso em uma pessoa: seu tempo, sua força, sua empatia. Vi milhares de pessoas pedindo ajuda –diretamente material, como alimentos, roupas e outros donativos, ou em “vaquinhas” pela Internet. Vi celebridades utilizando sua influência para divulgar e auxiliar cada ponto crítico no Estado que foi quase todo engolido pelas águas – e ainda pode piorar, há previsão de chuvas. Vi quem deu de ombros, e vi quem foi hostil.

Vi ânimos acirrados entre muita gente. As enchentes no RS versus o show da Madonna, a Rainha do Pop afinal não doou às enchentes e tudo bem, é direito dela. Vi e vejo muita politicagem, preconceito contra o povo gaúcho, pessoas se digladiando sobre o tamanho e as consequências do pior desastre climático de que se tem notícia no extremo sul do nosso país. Vi sinceridade e dissimulação, vi pessoas se dando as mãos – e isso é o que deve ficar de mais importante – e espalhando agressões.

Vi que as redes sociais se tornaram um terreno ainda mais repleto de “granadas”, difícil de ser pisado com tantas brigas: os ânimos das pessoas realmente estão acirrados, reagimos de diferentes maneiras, mesmo sem querer, a coisas com as quais temos dificuldades em lidar. Mas o ódio e o preconceito nunca são respostas eficazes. Nunca. Psicólogos têm aconselhado, conforme li, que pessoas que estão sofrendo de “dolorosa empatia”, com danos à saúde mental, evitem acompanhar de perto as notícias da devastação. Isso não as impede de doar, ajudar, é claro. Vi muita gente mobilizada, gente anônima, gente “por quem ninguém daria nada”.

Vi um cavalo esperar quatro dias (!) em cima de um telhado ilhado, em pé, sem relinchar, sem desistir, até ser resgatado. O Cavalo Caramelo se tornou símbolo de resiliência e esperança, quando resistiu e foi resgatado com sucesso. Um sinal em meio ao caos. Enfim, temos imagens viralizando por aí de coisas que nos alegram e enchem de esperança, e também exemplos de egoísmo, “ódio do bem”, incompreensão, racismo (!), disputas ideológicas. Não é hora para que essas digladiações sejam destaque, mas, antes, toda a ajuda e mobilização, que vem até de outros países e estrangeiros, como Elon Musk, Estados Unidos, Portugal etc.

Com certeza, esta será uma ferida aberta para sempre entre gaúchos e muitos brasileiros.

O gaúcho tem amor à sua terra, via de regra, é apegado a suas raízes, suas tradições. Não é que seja superior a qualquer outro povo brasileiro, como muitos sugerem. Então, essa ferida vai doer, não só nos sulistas, mas em milhares de pessoas de vários pontos do país e até fora dele, porque a tragédia já corre o mundo, sob vozes globais como Gisele Bündchen, uma gaúcha daqui de perto da minha cidade natal. Não só ela, são muitos. Vi os olhos marejados da Über Model (e mulher) ao falar de sua terra, pedindo socorro em língua inglesa. Tiago Iorc, outro que tem família gaúcha, embora não tenha nascido no Rio Grande do Sul, Carolina Portaluppi, filha do Renato, vários jogadores e torcedores de Grêmio e Inter e de outros clubes (nem todos). Muitos, muitos, Whindersson Nunes, Badin Colono, Índio Behn – gente que costumava fazer rir, sabendo que não é momento de fazer graça, arrecadando recursos e informando o povo.

E depois que as águas baixarem, lentamente, teremos de encarar os restos da tragédia, tudo o que se perdeu sob as águas: pessoas, animais, casas, objetos. E reconstruir, com resiliência, ainda que com tristeza no coração. São muitos abrigos com pessoas que perderam tudo ou quase tudo, e abrigos de animais sem dono. É muito triste, de fato. Quem não se comove, causa-me desconfiança – mas quem sou eu para julgar, mais uma vez?

Obrigada a todos os que, em tempos difíceis, se revelam pessoas abençoadas e acolhedoras. Quanto às outras, deixo meu desprezo, como seres humanos pequenos e egocêntricos, os donos da razão, os que vivem de falsidade e hostilidade. Como devem ser infelizes, ainda que tudo aponte o contrário em suas redes sociais.

Por fim, aquele cavalo. O Cavalo Caramelo. O Rio Grande do Sul está em cima do telhado, aguardando, sofrendo, resistindo. Mas em pé. Resistiremos. Sobreviveremos. Não será esquecido, nunca. Nem a negligência de certas autoridades, nem o sacrifício de pessoas simples ou de celebridades. Cada bote, cada barco, cada helicóptero, cada saco de arroz, cada lata, cada colchão, cada item terá sido importante. A ferida sangra, difícil que cicatrize um dia. Mas as enchentes no Rio Grande do Sul nos terão revelado, daqui a dez, cem anos, quem foram as pessoas que ajudaram, e quem foram as que deram as costas ou tumultuaram. Os tempos difíceis nos mostram quem as pessoas são. “O tempo é o senhor da razão.”